O Corpo Que Somos
- elessandromestrado
- 13 de mar.
- 4 min de leitura
Criado por Elessandro Salustiano
Suponhamos que a vida seja uma viagem contendo início, meio e fim. E o corpo seja o instrumento necessário para que essa viagem aconteça. No início, a viagem se dá através do nascimento, onde saímos de um ambiente tranquilo (ao menos deveria ser) para sermos expostos pela primeira vez. Deixamos um lugar onde a alimentação, luminosidade, silêncio e o sono não são perturbados para dar início numa etapa da viagem onde o corpo enfrentará pela primeira vez os desafios da vida aqui fora.
As etapas seguintes são repletas de mudanças corporais, até chegar o momento que este corpo começa a compreender que está inserido num mundo cheio de “regras” impostas pela sociedade. A partir desse momento esse corpo será imerso em uma série de ações culturais, nas quais algumas dessas ações podem pôr o corpo em evidência provocando alterações físicas nesse corpo. Assim, afirma Almeida (2011, p.30), “uma cultura na qual exalta o consumo de bebidas alcóolicas, refrigerantes e fast food certamente irá causar modificações indesejadas no corpo humano”. Ainda existem alterações mais invasivas no corpo, tal como a circuncisão em homens judeu e rituais indígenas onde esticam os lábios e orelhas utilizando ossos ou pedaços de madeira.
Partindo da suposição que o ambiente externo seja capaz de moldar o corpo humano, é de fundamental importância entender que o corpo necessita do ambiente externo para se desenvolver. Freire (2009, p.20), traz uma bela explicação de como o corpo carece do ambiente:
[...] não tenho qualquer dúvida de que, fora situações especiais que gerem deficiências, toda criança que nasce possui recursos biológicos para respirar. Porém, isso não garante que ela respire. Um dos elementos indispensáveis para o ato de respirar – o oxigênio do meio externo - não nasce com o indivíduo: é um componente vital que não pertence a ele. Não posso sequer afirmar que existe um ato respiratório em cada pessoa, mas sim, que a ação de respirar só existirá no momento em que o aparelho respiratório e o oxigênio se encontrarem. Portanto, ao descrever qualquer ação, qualquer movimento, não posso deixar de considerar que o ser humano é uma entidade que não se basta por si. Parte do que ele precisa não está nele, mas no mundo fora dele. Como afirma Manuel Sérgio, o homem é um ser carente, pois lhe falta parte do que precisa para compor a vida. Nem sequer para o simples ato de respirar ele se basta (FREIRE, 2009, p.20).
Neste sentido, é preciso que a criança, jovem ou adulto compreenda o mundo que o cerca. Entendendo que o corpo não apenas se encontra no mundo, ele faz parte do mundo. No entanto, tradicionalmente as escolas não vêm cuidando daquilo que ela entende como corpo. Para Freire (1992 apud Manesco e Porto 2011, p.3), “corpo e mente devem ser entendidos como componentes que integram um único organismo”. Medina (1992, p.2), traz o seguinte entendimento sobre o corpo:
[...] é bom que se entenda desde já que nós não temos um corpo; antes, nós somos o nosso corpo, e é em todas as suas dimensões energéticas - portanto, de forma global – que devemos buscar razões para justificar uma expressão legítima do homem, por meio das demonstrações do seu pensamento, do seu sentimento e do seu movimento.
Portanto, é possível compreender que somos uma entidade que manifesta a vida nesse mundo, e para manifestá-la é necessário ser corpo. Porém, aparenta não ser assim que a escola entende o corpo, a escola entende o corpo como uma entidade incorpórea e ela admite que exista um corpo abitado por essa entidade, e diz para a Educação Física cuidar da higiene, da saúde e da disciplina desse corpo, por que das pessoas quem cuida são os professores em sala de aula.
Ao compreender que o corpo faz parte do mundo, possivelmente as pessoas se reconhecerão como iguais e uma série de valores humanos podem tornar-se normais, tais como, respeito, humildade, empatia, honestidade, senso de justiça, solidariedade, etc.
Mediante o exposto, penso, que ao ampliar a visão da escola sobre os alunos e alunas estes estarão mais bem preparados para enfrentar os desafios que surgirão ao longo de suas vidas. É mais um passo a fim de cumprir umas das principais funções da escola, ou seja, prepará-los para vida em sociedade. Ressalto que a disciplina de Educação Física tem importante papel nessa missão de fazer com que os discentes compreendam como é valioso o próprio corpo e o corpo do outro ou da outra pessoa. Ou que amadureçam a capacidade crítica em condições de agir autonomamente na esfera da cultura corporal de movimento e ajudar na formação de sujeitos políticos com ferramentas para o exercício da cidadania. Porém, acredito que não seja somente o professor ou a professora da disciplina de Educação Física que deva atuar pensando o “corpo”. Mas sim, todos os professores e professoras de todas as disciplinas, visto que, a maioria trabalha com corpos parcialmente estáticos, utilizando quase sempre somente o ato fisiológico de pensar.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Arthur José Medeiros. Esporte e cultura: esportivização de práticas corporais nos jogos dos povos indígenas. Brasília: Gráfica e Editora Ideal, 2011.
FREIRE, João Batista. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da Educação Física. São Paulo: Scipione, 2009.
MANESCO, Cesar Francisco, PORTO, Eline Tereza Rozante. A história da educação física e as contribuições de João Batista Freire. 9º Amostra Acadêmica UNIMEP. Retirado de http://www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/9mostra/4/383.pdf. Acesso em 10/08/2021.
MEDINA, João Paulo Sabirá et al. A educação física cuida do corpo... e “mente”: novas contradições e desafios do século XXI / João Paulo Sabirá. Medina; Edson Marcelo Hungaro, Rogério dos Anjos, Valter Bracht, colaboradores. ed. 26ª, Campinas, SP: Papirus, 2013.
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