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PRISIONEIROS DA VAIDADE: O CORPO COMO VÍTIMA...

  • elessandromestrado
  • 24 de fev.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 27 de abr.

Por Claudia Sueli Litz Fugikawa - Colégio Estadual Bom Pastor, Curitiba-PR.


Como vimos até aqui, existe uma séria preocupação com o corpo. Você já parou para pensar se essa é uma preocupação que surgiu apenas no século XX e início do século XXI? Se voltarmos um pouco na história, vamos observar que esta não é uma preocupação tão nova.

Por volta do século XVII até a segunda metade do século XVIII, valorizava-se a imobilidade corporal. Esta era extremamente necessária e determinava a diferença entre aristocracia e a burguesia da classe trabalhadora. Nesse sentido, SOARES lembra que a imobilidade:

 

Reinava absolutamente nas terapêuticas destinadas a endireitar o que se considerava torto. Cruzes de ferro, tutores, alavancas para distensão corporal, espartilhos compunham o arsenal destinado a colocar a morfologia no molde. Corpos empertigados e eretos, que correspondiam ao ideal da nobreza, deveriam ser moldados como bonecos de argila: uma massa inerte à espera da pressão externa. Portanto, quanto manos movimento, mais eficiente seria a correção das deformidades. (SOARES, 2003, p. 82)


Dessa forma, o corpo deveria exibir um aspecto firme, no qual o modelo ideal era o “retilíneo”. Para atingir esse modelo, os espartilhos eram artefatos amplamente utilizados entre as damas da sociedade aristocrática e burguesa. Esse artefato dificultava a mobilidade dos corpos. “O espartilho, portanto, era um artefato destinado não só a endireitar, mas, também, a denotar uma diferença de classe, uma vez que, ao usá-lo, qualquer esforço era impossível. A moda, assim, marcava mais claramente uma distinção entre a elite e o povo”. (SOARES, 2003, P. 82)



Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), um dos mais célebres filósofos do século XVIII, se preocupava com a educação, em especial da criança. Ele argumentava que o homem nasce bom, e que as instituições, na medida que são más, o corrompem, por isso, deveria haver “um retorno a natureza”. Rouseau acreditava ser importante despertar nas crianças os gestos simples e trata-las como crianças e não como adultos em miniatura; desde as roupas utilizadas até a forma de educa-las. Dessa forma, a criança teria liberdade nos gestos e movimentos tendo a possibilidade de seguir seu próprio ritmo.



Rousseau somou-se a pessoas especializadas e importantes dessa época, como médicos e pedagogos, que questionaram e criticaram o uso do espartilho, objeto tão prestigiado pelas mulheres. Essas críticas foram fundamentais para derrubar a utilização desse objeto, considerando uma “prensa de corpos”. (FONTANEL, apud SOARES, 2003, p. 82)

A partir desses questionamentos, os estudos de Soares revelam que Georges Demeny (1850-1917), biólogo e pedagogo francês, afirmava a importância de “hábitos saudáveis” e estes deveriam ser desenvolvidos por meio de exercícios físicos adequados e bem dosados, desde a infância. Pois acreditava que quanto mais cedo se iniciasse nessa “arte fundada sobre a ciência do movimento”, mais eficientes seriam seus resultados. (SOARES, 2003, P. 82)

Mas qual a relação disso tudo, especificamente, com a ginástica que é um dos conteúdos estruturantes da disciplina de Educação Física? Qual é o motivo de estarmos nos referindo a essas questões de consumo e da mídia?

Podemos dizer que há uma íntima relação entre todos esses aspectos destacados anteriormente, pois era por meio do exercício físico e da ginástica, que se modelava o corpo.

Para entendermos isso, e continuarmos desatando os nós, precisamos esclarecer os seguintes pontos: qual é o período histórico a que nos referimos? De qual ginástica estamos falando? Qual é o papel da escola como coadjuvante neste processo?

Vamos fazer um recorte histórico, considerando o século XIX e a Europa marcada pelo processo fabril. Com isso, ocorre uma redefinição dos padrões estabelecidos em relação à sociedade, ao trabalho e ao homem.

 

“(...) este é o momento no qual começa a existir uma ampliação dos direitos políticos aos não proprietários, ao mesmo tempo em que o tema da democracia passa a ser incorporado. A Revolução de 1848 faz surgir uma legislação trabalhista e o direito de organização dos trabalhadores em sindicatos”. (SOARES, 2001, p. 46)

 

Em meio ao processo de industrialização, começaram também a surgir mais problemas relativos à saúde dos trabalhadores, como: doenças, alto índice de mortalidade, vícios posturais, vícios em geral.

A burguesia tinha claro a importância e a necessidade da “força física do trabalhador”. Assim, a preocupação com o corpo tornava-se cada vez mais evidente, pois havia a necessidade do trabalhador suportar a fadiga provocada pelo excesso de horas trabalhadas e pelas condições precárias das instalações industriais. O corpo constituía como importante instrumento de trabalho. O objetivo era “acentuar sempre a utilidade dos gestos executados, sem, contudo, alterar as condições de vida e de trabalho. (SOARES, apud GONZÁLEZ, 2005, p. 278)

Qual seria então, o procedimento para que o trabalhador continuasse a desempenhar suas funções profissionais?

A necessidade de desenvolver um mecanismo que contribuísse para essa finalidade manifestou-se na valorização da ginástica, no cenário da sociedade industrial, como atividade física que seria capaz de corrigir vícios posturais decorrentes das atitudes adotados no trabalho.

Além disso, a ginástica e seus exercícios tinham um caráter disciplinador extremamente necessário à “ordem fabril” e à “nova sociedade industrial”.

Os exercícios físicos, denominados de “métodos ginásticos”, foram encarados de diferentes formas nos países da Europa, tais como: França, Suécia, Dinamarca e Alemanha. Cabe observar que, a ginástica e seus exercícios tinham um caráter disciplinador necessário à ordem fabril e à nova sociedade industrial.

 









REFERÊNCIAS

SOARES, C. L. Imagens da educação do corpo: estudo a partir da ginástica francesa no século XIX, 2 ed. Campinas, Autores Associados, 1998.


SOARES, C. L. ; FRAGA, A. B. Pedagogia dos corpos retos: das morfologias disformes às carnes. In.: Revista Pro-Posições, Campinas, v. 14, n. 2 (41), maio/ago, 2003.


SOARES, C. L. Práticas corporais: invenção de pedagogias? In: SILVA, A. M. ; DAMIANI, I. R. (orgs). Práticas corporais: gênese de um movimento investigativo em educação física. Florianópolis: Naembu Ciência e Arte, v. 1, 2005. p. 43-61.

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GUSTAVO SOARES SILVA
GUSTAVO SOARES SILVA
Mar 26

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